terça-feira, 1 de março de 2011

texto de Alexandre Nave para BLACKWATER no DROP D, Lisboa 2011

CONTRA LUZ




Os trabalhos de Luís Silveirinha fixam definitivamente o olhar. A mancha domina a necessidade de impor o real ao corpo, e o observador fica enredado num jogo que, de imediato, não percebe inteiramente. Os traços, brutos, fortes, muitas vezes infantis, rejeitam desde logo a limpidez das formas e impõem a sua força. A ausência de cor, retira-nos qualquer zona de conforto mais imediata e entramos num espaço de silêncio, onde se adivinham sons esparsos, muitas vezes antagónicos. Sons graníticos, ferrosos, gélidos, convivem lado a lado com sons vegetais, mecânicos e orgânicos, oriundos das formas onde entrevemos animais familiares, silhuetas vagamente reconhecíveis e objectos domésticos. No entanto, tudo nos trabalhos de Luís Silveirinha trabalha contra a luz, aproveitando a opacidade do meio e a técnica do guache.

Não existem, nas obras deste artista, por vezes unidimensionais, planas -uma flatland aquática e pastosa de onde emergem por vezes, esquissos de objectos, sombras - preocupações de perspectiva ou zonas de revelação. O monocromatismo empresta à figuração que enche o espaço envolvente a aparência de objectos naufragados numa única zona pastosa, indefinida, rodeando os traços mais do que os absorvendo no seu conjunto. No entanto, mais do que o negro, é a indefinição assumida e a zona neutral do espaço envolvente muitas vezes constituído apenas por um cinzento nebuloso - longínquo, que nos traz a angústia, muitas vezes meramente adivinhada, duma necessidade de compreender a forma para além da indefinição.

Na verdade, apenas ouviremos os sons dos trabalhos de Luís Silveirinha se fecharmos os olhos. Abertos, a contemplação traz-nos um universo que progressivamente caminha para o silêncio. Os apontamentos de cor são absorvidos pelo espaço. O contraste vai diluindo progressivamente a forma e construindo várias linhas de leitura.

No fim, poderá ficar uma sensação vaga de desconforto, como se de um pesadelo infantil se tratasse. Mas na verdade, essa sensação, é esbatida pela concentração e pelo domínio consciente do medo. Como no cinema, ao vermos um filme mudo a preto e branco, com a cópia em mal estado, podemos vislumbrar, contudo, momentos vividos, sensações, que nos remetem para espaços interiores incomunicáveis. E nos trabalhos de Luís Silveirinha vemos essa mesma possibilidade: aceder ao lado menos explorado da nossa percepção. E é também pela nostalgia desse olhar que as obras de Luís Silveirinha se impõem, imediatamente reconhecíveis na memória, explorando simultaneamente esse espaço contíguo entre a sombra, o objecto e o esquecimento.



Alexandre Nave

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