segunda-feira, 15 de março de 2010

não significar

não significar
Luis Silveirinha, em alguns dos seus desenhos, dissolve os elementos da natureza(animais, plantas) depois de os convocar. noutros casos, cristaliza as linhas que definem o contorno das coisas (que podem ser bem diversas de animais ou plantas). casos há em que, pelo contrário, sobrecarrega os contornos e corpos definidos. casos ainda onde desmancha as formas pelo excesso de gestos com que as constrói. finalmente, chega a fazer coincidir estas soluções de representação com uma vocação proto-narrativa deixando-nos à beira de um tempo e uma acção interiores à imagem.
em todas as circunstâncias, Luis Silveirinha nega a geometria nos seus princípios comuns (regularidade), duplica formas a partir de eixos instáveis (criando falsas simetrias). estratégias que fazem com que cada desenho perca equilibrio e nitidez, quer na forma quer no sentido.
onde situar então estas imagens permanentemente desviadas da sua origem e do seu destino? será que poderemos dizer que o seu objectivo é "não significar"?
as composições de Luis Silveirinha sugerem o preenchimento de espaços decorativos arcaicos, sagrados ou profanos, com os seus eixos e axiallidades, bandas narrativas ou efiges isoladas. mas fazem-no frente a um limite visual que é quase físico e no qual se precipita toda a possibilidade de estabilizarmos uma imagem e o seu significado.
um pássaro-de-quatro-patas? uma água imperial? um homem que engole serpentes? um fascio de luz? fragmentos de desenho de uma fortaleza? dois pássaros entrelaçados ou duas cabeças de anúbis adossadas? uma fenda de luz na muralha? uma rosácea desfeita? um ramo de flores? sugestões de narrativas de humor e ironia? uma nuvem? uma garatuja incipiente?
nos desenhos, por vezes no mesmo desenho, podemos encontrar momentos visuais e manuais barrocos frente a exercícios de depuração, vibrações expressionistas a par de pequenas delicadezas liricas. tudo importa, tudo cabe, e nada serve, nada explica: as formas finais e os modos de as alcançar, ou não "existem" fora da representação (confundem-se com ela) ou existem como máscaras de significados em ricochete (sobrepostas e em infinitos jogos de reflexo especular).
aqui, devemos entender "não significar" como algo diferente de insignificante ou sem significado. devemos usar "não significar" como sinónimo de um significado que recusa o grau da afirmação; no sentido em que, a uma coisa tida por evidente é negada toda a evidência e no sentido em que cada imagem pode significar isto e aquilo e ainda uma outra coisa-testemunha uma lógica de significados flutuantes.
Luis Silveirinha é o agente dessa operação usando um instrumento essencial de dissolução discursiva, a água, como princípio dominante, impregna as matérias de representação, arrasta-as para lá dos limites da linha de contorno ou determina a sombra expressiva dos fundos cinzentos e demonstra, em cada desenho, a impossibilidade de iludir o realismo através da figuração.
é o gesto firme que conduz a tinta que contém a á gua que conduz a imagem aos limites do acaso e aos limites do que "não significa. e perguntamos: do que ainda não significa? do que já não significa? como se o informe convocado pudesse estar para aquém, para além ou sequer dentro de alguma fronteira e não fosse um interior sem exterior.porque Luis Silveirinha trata, de facto, de nos confrontar com o informe através de um exercicio de falso reconhecimento da forma e seu significado: tudo pode ser convocado (representado), tudo pode ser sugerido porque nada pode ser compreendido. há um núcleo inacessivel nas coisas (e na imagem das coisas) mas também em cada um de nós. a angústia é o único rasto que cruza os caminhos de ambos pos universos desse mistério. resta-nos coleccionar imagens (e coisas)sem sabermos exactamente o que nos dizem, para que nos servem, de que mal nos salvam.
joãopinharanda
lisboa, 21janeiro09
texto da exposição "o rasto invisivel da pausa" Alecrim 50 lisboa

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